"Por mais confusa que seja, uma tomada de consciência nasce do movimento de revolta: a percepção, subitamente reveladora, de que há no homem algo com o qual pode identificar-se, mesmo que só por algum tempo. Até então, essa identificação não era realmente sentida. O escravo aceitava todas as exações anteriores ao movimento de insurreição. Muito frequentemente havia recebido, sem reagir, ordens mais revoltantes do que aquela que desencadeia a sua recusa. Usava de paciência, rejeitando-as talvez dentro de si, mas, já que se calava, mais preocupado com seu interesse imediato do que consciente de seu direito. Com a perda da paciência (...), começa ao contrário um movimento que se pode estender a tudo o que antes era aceito. Esse ímpeto é quase sempre retroativo. O escravo, no instante em que rejeita a ordem humilhante de seu superior, rejeita ao mesmo tempo a própria condição de escravo. O movimento de revolta leva-o além do ponto em que estava com a simples recusa. Ultrapassa até mesmo o limite que fixava para o adversário, exigindo agora ser tratado como igual. O que era no início uma resistência irredutível do homem transforma-se no homem que, por inteiro, se identifica com ela e a ela se resume. Coloca esta parte de si próprio, que ele queria fazer respeitar, acima do resto e a proclama preferível a tudo, mesmo à vida. Torna-se para ele o bem supremo. Instalado anteriormente num compromisso, o escravo lança-se, de uma vez (...), ao Tudo ou Nada. A consciência vem à tona com a revolta
Mas vê-se que ela é consciência, ao mesmo tempo, de um tudo, ainda bastante obscuro, e de um "nada" que anuncia a possibilidade de sacrifício do homem a esse tudo. O revoltado quer ser tudo, identificar-se totalmente com esse bem do qual subitamente toma consciência, e que deseja ver, em sua pessoa, reconhecido e saudado - ou nada, quer dizer, ver-se definitivamente derrotado pela força que o domina. Em última instância, ele aceitará a derradeira derrota, que é a morte, se tiver que ser privado desta consagração exclusiva a que chamará, por exemplo, de sua liberdade. Antes morrer de pé do que viver de joelhos".
Albert Camus
pp. 26-27, Record, 1999.
domingo, 7 de junho de 2009
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