terça-feira, 30 de setembro de 2008

o velho revolucionário

A imagem do revolucionário de esquerda não é mais nem uma questão de discordância, mas de alusão irônica. Vê-se pelo discurso da maioria, e digo por maioria a classe média universitária, que sempre foi quadro-base dos movimento políticos, uma ojeriza aos que insistem numa revolução vermelha, por considerá-los fadados ao radicalismo infantil e à velharia. E têm razão. O revolucionário comunista de agora ainda tem os mesmos tiques dos anos 60 e sem a imaginação & a vontade inovadora pregada pela manifestação francesa de 68. Caetano Veloso já criticava isso desde lá, quando percebeu cara-a-cara um conservadorismo da esquerda e cantou a máxima "é proibido proibir". Essa frase não era só para a ditadura, mas também para a juventude militante que queria rigidez na causa. Pois se era conservadora naquela época, hoje, com o mesmo comportamento, é simplesmente deslocada.
Sim, somos todos, pelo menos os que comungam com um certo brio sentimental, que o capitalismo é um sistema desesperador, mas o comunismo não tem mais força de motivação para nos fazer lutar contra ele com as armas de antes. A sensação é de derrota. Além da dificuldade astrônomica de tomar um poder (seria necessário. a estrutura de agora não comporta uma revolução branda), as chances de sobrevivência seriam quase nulas em um mundo onde as economias se intercalam fervorosamente e não há muitas interferências estatais - um estado comunista não duraria mais que o tempo de sua auto-suficiência. Mas complexidade de ação nunca foi barreira para movimentos juvenis, o que sepulta mesmo é a anulação de sentimento de causa. Sem sensação, acabou. Não há vontade, não há corpo de revolução que funcione.
Das duas uma: ou se renova a idéia comunista com outra vibração, o que não foi feito em quarenta anos e quando a revolução parecia mais tangível, ou se cria um novo jeito de engajar-se contra o sistema posto. E o que seria esse último? Um revolucionário com as possibilidades e as motivações do nosso tempo, planejando os caminhos de salvar o mundo que nos façam sentido, que nos toquem ambiciosamente para frente, não apenas racionalmente para a dispersão. É preciso imaginar como seria ele. Perceber, não inventar, o revolucionário desse instante.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Literatura de Entranhamento II

Eu quero a literatura de imponência, não a de esmoladores indecentes,
como a atual brasileira, em sua maioria. Não vou ler mais nada por apadrinhamento, por
por companheirismo, por notícia. Não vou dar mais vazão à literatura do minguado-proposital, que estraga a potência de nossa arte.
Agora é tudo na base de quem merece.
Quem se atrever que ao menos tente se igualar a Dostoievski, Borges e João
Cabral de Melo Neto. É preciso contribuir, não inchar.
O tempo do café-com-leite acabou.




quarta-feira, 11 de junho de 2008

Literatura de Entranhamento

Por que estar atualizado nas letras, acompanhar exatamente cada um que se lança aqui & agora? Por que estar hoje à noite no evento da Braskem, comprar três livros de três novíssimos autores? Às vezes, como nesse instante, me soa uma obsessão banal, mais focada no puro andamento do que acontece do que a verdadeira preocupação com a feitura de nossos escritos. Pode vir para o bem, a garimpagem pode encontrar alguém que se engaje genuinamente no que faz, mas acaba que tentar demais catar o presente é dar atenção e valor a quem não merece. Para mim, uns 80% dos autores brasileiros de agora não fazem nem a metade do caminho do que seria, como posso chamar, a Literatura de Entranhamento. Nem parecem, na verdade, dispostos a superar isso. Preferem a coisa fácil, miúda, fazer uns trocadilhos. Preferem saber se escrevem bem, estilisticamente bem e só. Preocupações tolas, como se vai polemizar, se se vai agradar, se vai romper um novo tratamento de linguagem. Isso é o que há de mais fraco na literatura, é o que menos importa. A literatura é feita por pulsão de vida, e a vida é um absurdo, caralho, como é um absurdo estar vivendo, mas mesmo assim os novos autores parecem que escrevem como se ela já fosse comum. Leio e sinto apenas a textura do papel do livro, o baile das palavras, mas não como é completo o absurdo de estar aqui, de ter passado do microcosmo inválido para a célula, de então respirar, me alimentar, querer alguém do meu lado, ter crises e rumar invariavelmente para a morte. Escrevem como se não fossem morrer. O escritor que enalteço não, sabe bem o tamanho da morte que lhe virá e mesmo assim escreve. E esse, o Grande Escritor, como tantos, e citar nomes pode até soar como uma comparação falaciosa aos novos executores das letras, não escreve apenas para seus pares, não se diverte como quem solta confetes ao fazer o que faz, não fala apenas sobre o "cotidiano" ou um genérico de "condição humana" (quase todas as orelhas citam essas duas palavras? é, talvez não saibam muito bem do que falar), mas é aquele que descerá ao purgatório, ao inferno, numa missão dantesca, até achar a beleza de sua musa ao lado do trono eterno. Vai caminhar, entender-se, escrever, como quem não separa nada disso, como se tudo fosse a mesma matéria maciça de viver, e, principalmente, como quem escuta o tic tac da bomba.

sábado, 7 de junho de 2008

O Entendimento


Às vezes, alguma pessoa ou livro me faz redescobrir o não em mim. O não, você ainda não está pronto, o não, você não entende tanto quanto gostaria. E vejo que meu entendimento nada mais é que alguns punhados de referências, palavras-chaves ditas em momentos oportunos, conhecimentos que não sabem se conectar uns com os outros senão grosseiramente. É pegar um entendimento meu, aproximar com zoom e ver que em vários pontos as tessituras estão sem elos, que as lacunas são vergonhosas, que são várias manchas num pano branco, sem unidade. Mas isso de maneira alguma me aflige ou me promove uma piedade de mim mesmo. Dá sim uma força imensa, uma vontade de poder, um sentido de vida que quer ser vivida para empreender os laços que faltam. E é imprescindível buscar tudo ao redor para entender – a História, as Artes, a Filosofia, as conversas de bar, as tonalidades do amanhecer. Entender é notar como se mover a si próprio por entre as coisas, é saber se posicionar na ordem de todos os outros movimentos existentes. A metade do eu de um homem é o mundo inteiro. Se ele quer se entender, que entenda todo o resto. Já dizia o "conhece-te a ti mesmo" do helenismo, que não é só um saiba quem você é, mas um saiba qual o seu lugar no cosmos, enquanto homem. Que segue.

domingo, 1 de junho de 2008

Alonso Delbero

Alonso Delbero era meu tio-avô, porque se fez irmão do pai do meu pai. Além de meu tio-avô, Alonso era médico-clínico, porque batia com martelo em um joelho para ouvir dizerem “33”, ou quase isso. Além de médico-clínico, ele era escritor. Porque não se sabe, mas também não se discute. Era o escritor da família e realizavam glamorosos brindes em homenagem. Nunca publicou uma nota além de duas ou três crônicas num jornal de quarenta anos pra trás, que nem mesmo ele guardou os recortes. E foi só numa conversa de canto de festa que Alonso revelou a mim sua intenção literária: um escritor nunca-lido é sempre um escritor agraciado pelo infinito de possibilidades, sua obra é sempre um “seria” que pode acoplar qualquer-coisa, inclusive o sublime. Bem melhor ser talvez um gênio do que um convicto fracasso.

- Me diz aí, tio, uma frasezinha que seja... feita por você.

- Só entre nós, viu? Não vá contar por outros cantos – pigarreou antes de falar – Meu melhor verso é:

Aproveitou o ruído de um prato que se quebrava no meio da sala e o meu virar de rosto automático para escapar e entrar no banheiro de visitas. O infarto em cima da privada foi instantâneo.

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homenagem a tantas autoridades a quem nos referimos com saliva e gosto bom na boca, sem ao menos colocá-las contra a parede uma vez.

quarta-feira, 28 de maio de 2008



Eu não me apaixono por ninguém, é só alguém que se aproveita da paixão que tenho sempre.

sábado, 24 de maio de 2008

Fogo na Noite


Tirou a tomada e a encaixou de volta, testou a posição do fio, apertou o botão de ligar vezes e vezes até se aborrecer e desistir. Xingou o pisca-pisca da árvore, querendo que o povo todo de Tawaian morresse. Falando em morrer, lembrou do cigarro solto no bolso e o acendeu. É. Primeira noite de Natal sozinho. Nem namoradinha de duas semanas, nem cachorro chamado Chico. Mãe no interior, pai sepultado, irmão em Santiago de Compostela. Um desastre.

Com a azia no peito, achou melhor acabar logo a noite. Cobriu a comida de cima da mesa e pensou que talvez no café comeria um pão com queijo cuia. Apanhou as velas vermelhas do jantar e as manejou em círculo, rodeando a árvore e suas bolas prateadas. Xingou mais uma vez o pisca-pisca defeituoso enquanto acendia os pavios com a brasa do cigarro. Era bom assim, essa luz mesmo que improvisada, essa sensação de festejo como em todos os outros vinte e três Natais. Soltou um quase-sorriso, apagou o filtro no chão e foi-se deitar.

Duas horas depois, sob o calor macio das chamas, as bolas prateadas começaram um chacoalho, um barulho vivo, como se em cada uma delas alguém as tocasse pelo lado interno. E na mais baixa, a superfície esférica se rompeu em inúmeras rachaduras, assim como pouco a pouco aconteceu nas outras. De dentro, suspendeu-se uma patinha marrom, em seguida uma cabeça de olhos fechados e um tronco pegajoso e pernas.

Em minutos, os filhotes de rena já estavam enfileirados no parapeito da janela da sala. Voaram.

conto publicado no Caderno Dez!, em 25/12/07. Natal gostosinho foi aquele.

domingo, 18 de maio de 2008

Recomendações Botânicas

Quando for à feira, nunca aceite as sementes de uma mulher com flores costuradas no vestido. Ela vai querer segurar seu punho e lhe colocar cinco sementes no seu bolso. Recuse-as, jogue-as no chão e as pise, se puder. Mas não cogite levá-las para casa, mesmo que a mulher insista e você queira livrar-se logo dela. E caso você aceite as sementes, não as plante em seu quintal. Mesmo que já esteja ali no seu bolso e a terra tão fofa, tão fértil esteja ali tão sua como também para as suas vontades. E se não vir mal nenhum em cavar um pequeno buraco entre as outras flores, em guardar as sementes na terra, em tapar novamente o buraco e sair satisfeito, não regue. Passe com a água em todos os cantos, menos naquele pedaço em que você introduziu as sementes. E se você regar, arranque as primeiras folhas que aparecerem. E se você não arrancar e deixar simplesmente as sementes brotarem, não apareça mais por seu quintal. Pois lá haverá o que surgiu: um duende, só com o tronco, os braços e a cabeça para a superfície, com a altura de uma mão aberta. Ele bate os dentes uns nos outros o tempo todo para exercitar, move as articulações com um som que assustaria qualquer coração e arremessa punhados de terra para os lados quando se entedia. O duende fica apenas à espera da hora em que você virá regar as plantas. E se você for, assobiando uma melodia antiga com a mangueira de borracha na mão, sentirá, enfim, uma mordida em seu tornozelo.

Não Mostrar para Mostrar

Por que Escrever e Não Mostrar?

Para voltar a si mesmo e aprender quais as frases que se quer de verdade dizer, independente de qualquer público, reação, engrandecimento social. Para entender o que é criar como se não houvesse mais ninguém esperando. Esse é o maior exercício, que eu peno pra passar: permitir que o mundo só volte a existir no instante em que a história está pronta. Então sim os vivos, então sim os outros olhos. Engavetar para ser ao máximo e aos poucos mostrando, testando se você ainda agüenta manter o que é. Agüento?

Por que Escrever e Mostrar?

Se eu não quisesse um mínimo de leitores para as minhas narrativas, nem quefosse apenas eu mesmo mais envelhecido, lendo no futuro e gostando de me retomar, não escreveria numa linguagem compreensível. Picharia os meus sinais no caderno, desenharia bonecos de palito sem falas, porque eu já saberia as falas na minha cabeça e não cometeria a redundância de repeti-las no papel. Eu contaria a história a mim mesmo, sentado na varanda. Depois entraria para a sala com um sorriso de leitor, guardando a minha história numa estante de minhas memórias, que qualquer dia poderia simplesmente desvanecer e levar tudo o que carregava. E faria diferença a alguém se minhas histórias sumissem? Talvez não, mas eu não sei o que realmente faz diferença, que não seja comida, água e teto. Nós criamos coisas extras para tomarem corpo de importância, apenas criamos, até que elas verdadeiramente o tomam. Esse é o meu laço com a escrita: um dia eu defini que é esse um rumo, e não ri, não titubiei, não perguntei se podia - acreditei.
Quando eu escrevo, eu ponho representações próprias de realidade numa linguagem de todos e não mais na minha (e quando eu penso, eu quase não preciso dessas palavras. as palavras vêm sempre depois que o pensamento se forma), o que pressupõe que muitas outras pessoas podem codificar o que ali está dito, puxar essas representações para si e sentir um pouco de outra coisa que não são elas mesmas. Porque aí está um dos sentidos da literatura, e das artes enfim: fazer com que uma pessoa sinta como é ser outra, e nessa pulsação, nesse vislumbre do que existe e não é si, perca o fanatismo e a covardia de tiranizar, desprezar e assassinar. Nesse caso, até o que eu escrevo serve. Posso não ter uma verdade grandiosa, um futuro promissor, uma prosa que valha algum trocado, mas tento mostrar como é ser um outro alguém que sente.